O que aconteceria se você conhecesse uma pessoa que, de cara, tem potencialmente tudo para fazer com que você se apaixone por ela mas a qual você sabe que, por mais que tudo dê certo com vocês, só está de passagem na sua vida?
Em Loggerheads, George é um homem gay que tem um pequeno hotel em uma pacata cidadezinha litorânea dos Estados Unidos. Um dia aparece por lá Mark, um jovem e belo rapaz loiro, com ares aventureiros, que resolve acampanhar na areia da praia de Kure, na intenção de observar tartarugas marinhas (
Loggerheads vem do nome de uma espécie dessas criaturinhas). Só que existe uma lei local que proibe as pessoas de pernoitarem na região e o lorinho acaba tendo problemas com a polícia. Nesse momento, aparece o santo George e, com todas as boas intenções do mundo (hehe), oferece um quartinho no seu estabelecimento para o andarilho (que, obviamente, também é entendido). Acontece que
Loggerhead é um filme dividido em três histórias que são contadas paralelamente e, ao mesmo tempo que observamos o encontro entre George e Mark se desenrolando no ano de 1999, somos apresentados 'a mãe adotiva de Mark, uma mulher bastante conservadora, casada com um pastor evangélico e que vive assombrada pelas lembraças do filho que partiu sem deixar notícias. A história de Elisabeth, a mãe adotiva, se passa em 2000. O terceiro e último drama do filme é contado já no ano de 2001 e envolve Grace, a mãe biológica do rapaz que, depois de mais de 20 anos sem saber nada a respeito do filho que entregou 'a adoção logo após o nascimento, se vê rodeada de fantasmas do passado e de uma vontade incontrolável de sair atrás do rapaz.
Parece confuso fazer um filme com tanta informação deslocada no tempo e no espaço mas, no final, tudo dá certo e se encaixa perfeitamente. As histórias, afinal, são só uma e o fato do diretor ter escolhido apresentá-las sem uma ordem cronológica certa tem sua razão. Não fosse assim, o filme correria sérios riscos de ficar muito longo e cansativo e, provavelmente, bem menos interessante.
ATENÇÃO: A partir de agora, o texto passa a ter algumas informações que já podem ser consideradas
spoiler por algumas pessoas.
O filme, apesar de relativamente simples em conteúdo, tem vários pontos que servem de reflexão. Para começar, logo no início, descobrimos que Mark tem AIDS e que não tem a menor ambição de prolongar sua vida aqui na Terra com a ajuda dos modernos coquitéis de drogas para controlar a doença. Como também fica sempre meio no nosso inconciente que algum clima está ou irá rolar entre os dois personagens masculinos, sentimos no ar um incômodo muito forte por saber que tudo que poderá começar daquele encontro casual terá uma efemeridade única, ou seja, ao contrário de qualquer relacionamento normal que começa com uma promessa de eternidade, este se inicia fatalmente com o relógio batendo ao contrário, contando o tempo que resta e não o que já passou. É impressionante como esse pensamento nos acompanhará o filme inteiro, até mesmo de forma crescente. A sensação incomoda de solidão marca o filme em todo o seu desenrolar, exatamente porque é isso que ele quer transmitir, essa coisa louca que é a vida, cheia de chegadas e partidas, e com toda partida sendo incompleta, deixando para trás alguma coisa que não estava ali antes, e que agora nos acompanhará para sempre. Estamos acostumados a assistir filmes que falam sobre a conciência da aproximação da morte, isso não é nem de longe um assunto inédito. Mas o que quase todos esses têm em comum é mostrarem o personagem marcado para morrer vivendo uma espécie de despedida inesquecível, seja vivendo altas aventuras, quebrando regras, reencontrando pessoas há muito distanciadas, fazendo as mais incríveis viagens, realizando sonhos antigos. Em
Loggerheads as coisas estão longe de ser assim. O engraçado é que nada no filme acontece de forma brusca ou exageradamente desesperada. Nada de grandioso acontece. Não há despedidas "cinematográficas": a vida só passa. Mais melancólica, talvez, mas tão sem pressa que a gente se sente até sufocado por não poder parar o tempo, voltar alguns anos atrás, ou esticar as coisas um pouquinho mais, porque sente que nem tudo que tinha que acontecer, aconteceu.
Quando a gente vive a mil por hora, temos a sensação de que conseguimos driblar o tempo e viver mais em menos tempo. A própria noção de
carpe diem atualmente tem aquela conotação de sair bruscamente da rotina, exagerar ao máximo possível em tudo, cair nos extremos para assim as coisas marcarem mais. É isso que desejamos de Mark, e é isso que faz com que o condenemos quando ele afirma que não deseja prolongar a sua vida. Não conseguimos aceitar que, 'a vezes, felicidade significa estar em paz suficiente com a gente mesmo para poder sentar numa praia deserta munido de binóculos e ficar caçando tartarugas, com toda a humildade e dignidade do mundo para poder comemorar o fato de simplesmente ter chegado até ali, apesar de tudo e de todos, sem se desesperar um minuto sequer, sem olhar pro passado com rancores de Deus, perdoando a humanidade e a divindade por cada caminho torturoso que os fez andar.
O filme foi uma das melhores surpresas desse ano e eu super indico para quem anda cansado desse mundo bobo, e com a sensação de que, atualmente, a felicidade se tornou uma droga sintética ou um roteiro pré-programado que têm como principais objetivos te fazer esquecer da realidade como ela um dia já foi prometida. Um ensimento de como se dever perdoar e se permitir se perdoado o mais cedo possível, antes que não dê mais tempo, antes que a solidão comece a deixar de ser um refúgio e passe a ser uma punição.
(EXCELENTE!)